(Arquivo exclusivo do jornal dossiers e factos ed 414)
Traído pela natureza e pelos homens
difícil encontrar um país tão capaz de frustrar as expectativas do seu próprio povo como Moçambique. A abundante riqueza de que o país dispõe na terra e no mar faria de qualquer nação um exemplo de prosperidade, e catapultaria o padrão de vida dos cidadãos para níveis nórdicos. Mas a nossa pérola do Índico não consegue confirmar o potencial que se lhe aponta, para a infelicidade de todos nós.Por diversas vezes, e neste mesmo espaço, apontamos o dedo a quem nos governa como responsável pelos nossos sucessivos insucessos nas mais diferentes áreas. Falámos, por exemplo, da nossa incrível incapacidade de produzir comida em quantidades suficientes para alimentar o povo, o que contrasta com as infindáveis terras aráveis de que o país dispõe.Debruçámo-nos sobre a ironia de pagarmos a peso de ouro pelo consumo de energia eléctrica, quando temos a Hidroeléctrica de Cahora Bassa, que “já é nossa” há mais de 10 anos, ou sobre a falta de carteiras num país que é exportador de madeira por excelência.Todas estas incongruências nada mais são do que o resultado da incompetência de quem nos dirige, associada à já tradicional busca pela satisfação de interesses pessoais e de grupos em detrimento dos interesses da maioria, que é, num Estado de Direito Democrático, a verdadeira dona do poder. Não mudamos a nossa forma de pensar nesse aspecto, mas, por uma questão de honestidade e bom senso, parece-nos justo reconhecer que também o destino nos tem pregado partidas difíceis e que dificultariam a acção de qualquer governante, por mais competente e comprometido com o povo que fosse.É como uma torrente de tragédias que se abatem sobre Moçambique, cuja intensidade aumentou nos últimos anos, particularmente no segundo mandato do Presidente em exercício, Filipe Jacinto Nyusi. Tais tragédias comprometem – e de que maneira – os planos de desenvolvimento que o actual timoneiro da nação traçou/traça e, não sendo únicas responsáveis pelo fracasso governativo (ele próprio tem de assumir uma parte da culpa), não podem ser ignoradas em análises desta natureza.Podemos começar pela actual e mais badalada, nomeadamente a guerra em Cabo Delgado. Desde 2017 que um grupo instalado naquela região, conhecido agora como Ansar al Sunnah, e eventualmente com ligações ao Estado Islâmico (ISIS), pratica acções terroristas, tendo como alvos civis, militares, infra-estruturas e outros bens.A carnificina perpetrada pelos jihadistas ceifa vidas, provoca fugas desenfreadas da população, obrigando-a a abandonar as conquistas alcançadas com bastante sacrifício. Igualmente, hipoteca praticamente o sonho de prosperidade de milhões de moçambicanos, que viam nos projectos de exploração do gás uma oportunidade soberana de minimizar os alarmantes níveis de pobreza.Tristemente, percebe-se – aliás, há vários relatos credíveis nesse sentido – que os insurgentes contam com a conivência de elites internas na confecção deste indigesto prato de barbárie que nos é servido, ou seja, estamos a enfrentar dois inimigos: um declarado e outro oculto, que se faz passar por amigo. Nestas circunstâncias, é quase impossível vencer, como, de resto, se nos é dado a ver no Teatro Operacional Norte.Se dúvidas havia sobre a existência de traidores nas Forças de Defesa e Segurança e/ou nos Serviços de Segurança, estas ficaram dissipadas na última semana, com o vazamento de um documento altamente confidencial, como o são os assuntos de natureza militar. Outra vez, Filipe Nyusi, enquanto representante máximo do Estado, foi traído. Só que, neste caso, não é líquido que tenha sido traído pelas elites domésticas, dado que o documento em causa foi elaborado por um grupo de peritos da Troika da SADC.Ao mesmo tempo que é traído por tragédias exclusivamente provocadas pelo homem, Nyusi vê seu reinado ensombrado por catástrofes naturais, dado que, nos últimos anos, o país passou a figurar entre os principais alvos de ciclones. Idai, Kenneth e Eloise, só para citar os mais relevantes, ceifaram vidas e anularam muitos anos de progresso em alguns dos pontos do país, com realce para a cidade da Beira.Como tal, muitos projectos viram-se sem pernas para andar, precisamente porque os recursos de que dependiam tiveram de ser usados em acções de recuperação dos danos provocados pelos desastres naturais. Nunca o Instituto Nacional de Gestão e Redução de Risco de Desastres teve tanto protagonismo quanto agora, e isso, de per si, é demonstrativo da frequência com que os eventos extremos passaram a acontecer em Moçambique, associada, obviamente, à competência de quem por lá anda.Os fundos investidos na construção pós-Idai, na guerra no centro e no norte e, desde o ano passado, em acções de combate à Covid-19 (que colocou um travão no crescimento da economia), entre outras intempéries, fariam diferença em vários sectores sociais e de desenvolvimento.Não pretendemos branquear políticas e decisões menos ajustadas por parte do Governo, mas, perante o exposto acima, parece-nos claro que, definitivamente, Filipe Nyusi tem sido alvo de constantes traições, quer do homem quer da própria natureza. É um príncipe sem “fortuna”!
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